Por Daniel Dix
Publicado em 28 de março de 2022
Nos últimos dois anos pudemos verificar, após muito tempo, que o Direito Tributário e Financeiro voltou aos holofotes das discussões jurídicas, permanecendo em contínua evidência, ainda hoje, face aos inúmeros temas que foram, e têm sido, objeto de apreciação recente por parte do nosso Supremo Tribunal Federal (STF), resgatando um protagonismo e relevância que nunca deveria ter perdido, uma vez que a ele cabe regular a forma pela qual o Estado deve ser financiado para desempenhar suas atividades, e nos prover com os serviços que se propõe, fato que por si só revela a sua grande importância para o convívio em sociedade.
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O poder de tributar conferido ao Estado (lato sensu) pelo seu povo, por intermédio da Constituição, não pode, contudo, ser exercido de forma ilimitada, devendo se pautar por parâmetros normativos pré-estabelecidos, sendo uma concessão excepcional de intervenção no direito individual de propriedade dos cidadãos que concordaram em contribuir, destinando parcela dos seus bens e riquezas para o financiamento estatal, desde que observado o devido processo legal (due process of law).
O exercício ilimitado do poder de tributar sobre um determinado povo se revela arbitrário e induz desigualdade, pois acaba por privilegiar uma minoria em detrimento do todo. Nesse ponto, é sempre importante lembrar a célebre expressão, “the power to tax involves the power to destroy” trazida pelo Chief Justice John Marshall no conhecido caso McCulloch v. Maryland julgado pela Suprema Corte americana (1819) e que sintetiza o também famoso provérbio bíblico: “é pela justiça que um rei firma seu país, mas aquele que o sobrecarrega com muitos impostos, o arruína” (PV. 29,4).
A apreciação e julgamento recente de causas tributárias pelo STF devem, portanto, ser motivo de orgulho e satisfação para nós tributaristas, pois parecem revelar que os contribuintes estão cada vez mais ciosos da sua importância para a sociedade e que a nossa resiliente Constituição dispõe de mecanismos de controle importantes e que têm sido manejados de forma competente com vistas a corrigir eventuais excessos do Estado no desempenho da sua função legislativa e administrativa tributária, impedindo, assim, o exercício ilimitado do poder de tributar.
São exemplos, dentre outros, de temas tributários relevantes que estiveram na pauta de julgamento da nossa suprema corte nos últimos dois anos, seja em âmbito de controle concentrado de constitucionalidade e mesmo de repercussão geral, com decisões ora favoráveis aos contribuintes, ora ao fisco:
- a) o desfecho da “tese do século” na qual ficou assentado que o ICMS destacado não compõe a base de cálculo das contribuições PIS/Cofins (RE n.° 574.706);
- b) a definição acerca da constitucionalidade da incidência do ISS e exclusão do ICMS sobre as atividades de cessão e licenciamento de software (ADIs n.ºs 1945 e 5659);
- c) o entendimento favorável ao fisco federal sobre a inclusão do ICMS e do ISS na base de cálculo da CPRB (REs n.°s 1.187.264 e 1.285.845);
- d) a invalidade da cobrança e exigência do diferencial de alíquotas do ICMS por ausência de lei complementar (RE n.° 1.287.019 e n.° ADI 5469); e) a impossibilidade de estados e Distrito Federal instituírem o ITCMD sem existência prévia de lei complementar que regule a matéria (RE n.° 851.108);
- e) a compatibilidade com a Constituição Federal da contribuição ao Incra (RE n.° 630.898);
- f) a validação da incidência do imposto de renda sobre depósitos bancários de origem não comprovada, considerando o art. 42 da Lei n.° 9.430/1996 compatível com o texto constitucional (RE n.° 855.649);
- g) a definição no sentido de que a inadimplência do usuário não afasta a incidência ou a exigibilidade do ICMS sobre serviços de telecomunicações (RE n.° 1.003.758);
- h) a conclusão acerca da não incidência do IRPJ e da CSLL sobre a taxa Selic em ação de repetição de indébito por não se traduzir em acréscimo patrimonial (RE n.° 1.063.187);
- i) a impossibilidade de os estados estabelecerem alíquotas majoradas e diferenciadas de ICMS e sem observância ao princípio da seletividade em relação às operações com energia elétrica e serviços de telecomunicações (RE n.° 714.139);
- j) a inconstitucionalidade de os estados gravarem pelo ICMS as operações de transferência de bens entre estabelecimentos do mesmo titular (ADC n.° 49).
Em que pese as causas tributárias terem movimentado bastante a pauta de julgamento do STF nos últimos tempos, o que é de todo salutar, um fato nos chama a atenção, qual seja: as hipóteses em que as decisões proferidas se revelaram contrárias aos interesses do fisco, e a corte suprema possibilitou restringir e limitar os seus efeitos a partir de critérios e parâmetros questionáveis e não uniformes com base em argumentos consequencialistas, muitas vezes não comprovados, de perda de arrecadação e descontrole das finanças públicas[2].
Veja a matéria na íntegra em Jota.