A Reforma Tributária insiste no erro
O Projeto de Lei Complementar (PLP) nº 68/2024, que contempla os principais pontos de regulamentação da reformulação da tributação de bens e serviços no país, apresenta um ponto crucial que demanda atenção: a inclusão do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), novos tributos criados pela reforma tributária, na base de cálculo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e do Imposto sobre Serviços (ISS), tributos que serão extintos após ao longo do período de transição. Essa medida contraria a lógica da reforma e vai de encontro ao que a proposta busca solucionar.
Uma das metas centrais da reforma é a simplificação do sistema tributário e a redução de sua cumulatividade. A inclusão de um tributo na base de cálculo de outro, especialmente quando se trata de tributos com natureza cumulativa, como o ISS, representa obstáculo à concretização desse objetivo. No caso em questão, o IBS e a CBS serão incorporados à base de cálculo do ICMS e do ISS até 2032.
Essa prática, conhecida como cálculo “por dentro”, é apontada como uma das principais deficiências do sistema tributário atual. Em relação ao IBS e à CBS, o projeto determina a exclusão de seus próprios montantes e dos tributos que serão gradativamente extintos de suas bases de cálculo.
No entanto, a proposta falha ao não aplicar essa mesma lógica na situação inversa, permitindo que o IBS e a CBS componham a base de cálculo do ICMS e do ISS.
A justificativa para essa inclusão reside na preocupação dos estados e municípios com a perda de arrecadação durante o período de transição. No entanto, a busca por soluções para a disfuncionalidade do sistema tributário nacional não pode se restringir por argumentos meramente arrecadatórios.
A reforma tributária almeja um sistema mais eficiente, transparente e justo, alinhado às melhores práticas internacionais. A inclusão do IBS e da CBS na base de cálculo do ICMS e do ISS, ao longo do período de transição, representa um passo na contramão desse ideal, mantendo parte da complexidade, da falta de transparência e da cumulatividade que a reforma busca eliminar.
As discussões judiciais em torno da exclusão do ICMS da base de cálculo da contribuição para o PIS e da COFINS, conhecida como a “Tese do Século”, ilustra os desafios enfrentados pelo sistema tributário brasileiro. A decisão da Suprema Corte sobre a matéria, apesar de ter ocorrido em 2017, ainda gera repercussões e litígios, evidenciando a complexidade e a insegurança jurídica que permeiam o sistema.
Recentemente, inclusive, o plenário do STF retomou o julgamento do Recurso Extraordinário 592.616/RS (Tema 118 da Repercussão Geral), em que se discute a inclusão do ISS na base de cálculo das referidas contribuições federais. Ainda pendente de conclusão, resta-nos aguardar qual será o pronunciamento final da Suprema Corte, sobretudo quanto à modulação dos efeitos dessa decisão.
É fundamental que o Congresso Nacional reconheça a importância de corrigir essa falha na proposta. A exclusão do montante dos novos tributos da base de cálculo do ICMS e do ISS é essencial para a construção de um sistema mais justo, transparente e eficiente.
A reforma tributária representa oportunidade única de romper com as práticas que geram distorções e prejudicam o desenvolvimento econômico do país. Permitir que o IBS e a CBS componham a base de cálculo do ICMS e do ISS significa desperdiçar essa chance, procrastinando a solução definitiva dessa mazela e arrefecendo os avanços almejados pela reforma.
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NOTA¹: Este trabalho foi produzido pela equipe técnica da A2M Consultoria. Para adoção de quaisquer medidas, favor consultar a legislação pertinente em vigor.
NOTA²: A A2M Consultoria é especializada no assessoramento tributário de empresas e órgãos representativos de segmentos econômicos, com vasto conhecimento da realidade tributária e seus desdobramentos no ambiente de negócios no Brasil, além da sólida experiência de seus sócios e consultores associados, tanto no setor público quanto no setor privado.
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